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Entrevista com Dalmo de Abreu Dallari
Aprendi tudo que sei de Teoria Geral do Estado com esse menino. Ai vai algumas opiniões deles sobre temas atuais. Vale a lida.
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‘Brasil não precisa do Senado’, diz Dallari
Segundo o jurista, professor visitante da Universidade de Paris, a reforma política no País deve rever o bicameralismo
Alceu Luís Castilho/Correspondente do Jornal da Cidade em Brasília
O jurista Dalmo de Abreu Dallari passa três meses por ano em sua casa na França, onde é professor visitante da Universidade de Paris IX (Nanterre). Foi de lá que ele acompanhou a posse do pupilo Enrique Ricardo Lewandowski, seu orientando de mestrado e doutorado, como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Professor de Direito por mais de 40 anos da Universidade de São Paulo (USP), destacou-se na resistência democrática, durante os anos 70, em atuação reconhecida na defesa dos direitos humanos. Indagado sobre a presença do Exército nas ruas do Rio, falou sobre acomodação do governo estadual e conivência com criminosos; sobre a destruição de mudas de eucalipto da Aracruz, condenou a violência dos camponeses, mas afirmou que a empresa também tem um histórico de violação de leis; sobre a Febem, tema que deve fazer parte da agenda nacional nos próximos meses, com o lançamento da candidatura do governador Geraldo Alckmin à Presidência, assinalou que o Brasil tem uma “folha corrida” em relação à violação dos direitos da criança.
O quarto assunto foi ele mesmo quem introduziu: a reforma política. De olho em iniciativas recentes na Europa, o professor de Teoria Geral do Estado conclui que o Brasil deve rever o bicameralismo. Na prática, isso significaria acabar com o Senado. Confira os melhores trechos da entrevista concedida por telefone de Paris.
Pergunta - O senhor está surpreso com a última ida do Exército às ruas do Rio de Janeiro?
Dalmo de Abreu Dallari - Essa questão não é nova. Tenho me posicionado contra a utilização do Exército como polícia. Ele não tem preparo para isso e não é constitucionalmente sua função adequada. O que se deve fazer é cobrar das autoridades do Rio uma boa polícia. Não é possível que não se possa fazer uma boa polícia. É preciso que busquem orientação dos Estados onde há polícia mais organizada.
Pergunta - Quais são esses Estados?
Dallari - O próprio Estado de São Paulo já evoluiu muito. O Rio Grande do Sul pode dar grande apoio. O que existe no Rio é um excesso de acomodação. Os governos não querem contrariar interesses, e vão contemporizando. E assim o espaço fica aberto para esse tipo de situação.
Pergunta - Quais são esses interesses que estão sendo contrariados?
Dallari - Os interesses mais óbvios são os dos bicheiros. “Bicheiros” é uma expressão antiga que surgiu com o jogo-do-bicho e se enriqueceu, pois hoje implica o tráfico de drogas e toda uma gama de atividades. É preciso que os governantes enfrentem isso. E entidades criminosas são financiadoras de campanhas eleitorais.
Pergunta - O que o senhor achou da depredação de eucaliptos na Aracruz, no Rio Grande do Sul, por integrantes da Via Campesina?
Dallari - Em princípio sou contra qualquer violência. Violência gera violência e não traz solução. Mas é preciso levar em conta o conjunto de soluções. A Aracruz há muitas décadas vem cometendo violências, em particular contra os índios, no Espírito Santo. Contra a ecologia, contra os trabalhadores rurais nos assentamentos. Ela vem agindo contra os princípios constitucionais. Claro que isso não justifica a pratica de violência. Mas o que fazer? Exigir da Aracruz a mudança de atitudes. E a mudança de atitudes dos políticos do Espírito Santo, por exemplo. Estão tratando dos problemas do ponto de vista puramente econômico.
Pergunta - Mas como isso pode ser feito?
Dallari - O próprio Congresso Nacional, que foi tão afoito e exibicionista nas denuncias do Roberto Jefferson, deveria fazer um trabalho sério na questão do Espírito Santo. Não sobre o Estado do Espírito Santo, o governo. Mas por que não uma CPI do Espírito Santo, sobre a situação social do Estado?
Pergunta - Na última segunda-feira a Corte Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, recebeu integrantes dos governos federal e paulista, além de representantes da sociedade civil, para tratar da Febem. Novamente não houve acordo entre as partes. Como o senhor analisa isso?
Dallari - O Brasil já foi condenado várias vezes em foros internacionais por não dar a devida atenção à questão da criança. Tem uma folha corrida muito ruim, negativa, nesse campo. E os governos não estão cumprindo o que esta na Constituição. Lá está escrito que a criança deve ser tratada como prioridade. Primeiro, com a destinação de verbas adequadas, o que não tem sido feito. Instituições como a Febem são depósitos de crianças, quando a lei exige tratamento privilegiado, com mais educação, oportunidades. Antes de mais nada cumpra-se a Constituição, e as coisas vão mudar.
Pergunta - A posição do governo estadual da Febem não decorre de um caldo cultural, que acaba se tornando político e eleitoral, por conta de posições arraigadas entre os paulistas associando direitos humanos à defesa de bandidos, e em prol da redução da maioridade penal?
Dallari - Existe um vício antigo das elites privilegiadas, que têm medo do menor, da violência, mas que não quer abrir mão do seu dinheiro, lucro e privilégios. É necessário que sejam destinados recursos que eliminem as causas. O que querem é que ataquem os efeitos. O menor que praticou a violência, é claro que é ruim, mas é também para o menor. Estou convencido de que ninguém nasce com vocação de criminoso. Me lembro de posição do professor Manuel Pedro Pimentel, que diz que a pobreza é fator de criminalidade, não causa – se fosse causa todo pobre seria criminosa. A questão e a garantia da dignidade de todos os brasileiros.
Pergunta - A essa distância, em Paris, o que mais tem chamado sua atenção no Brasil nos últimos tempos?
Dallari - Eu acho que foi lamentável a atitude do Congresso, ao deixar passar oportunidades para o início da reforma política. Isso é essencial, fundamental. Estou observando aqui na Europa que grandes Estados como Espanha, Bélgica e França estão reexaminando sua organização política. A Espanha está discutindo um novo federalismo. A última tomada foi da Alemanha, uma posição extremamente importante, procurando reduzir atribuições do Senado. Isto porque ele atende a interesses secundários, retarda a legislação, dificulta os problemas. O Brasil deve abrir discussão nesse sentido – sobre a reforma política, a começar do reexame do federalismo. Eu colocaria também a discussão do bicameralismo. Será que o Brasil precisa de parlamento com duas câmaras? Acho que não. Senado tem sido abrigo de oligarquias. Muitos países adotaram as duas câmaras para a acomodação de interesses.
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