Todo filho é pai da morte de seu pai

[Jeep]

http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/vi...i-4290444.html

"Feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia."

Há uma quebra na história familiar onde as idades se acumulam e se sobrepõem e a ordem natural não tem sentido: é quando o filho se torna pai de seu pai.

É quando o pai envelhece e começa a trotear como se estivesse dentro de uma névoa. Lento, devagar, impreciso.

É quando aquele pai que segurava com força nossa mão já não tem como se levantar sozinho. É quando aquele pai, outrora firme e instransponível, enfraquece de vez e demora o dobro da respiração para sair de seu lugar.

É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira, só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela - tudo é corredor, tudo é longe.

É quando aquele pai, antes disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua própria roupa e não lembrará de seus remédios.

E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar que somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou depende de nossa vida para morrer em paz.

Todo filho é pai da morte de seu pai.

Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para devolver os cuidados que nos foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a amizade da escolta.

E assim como mudamos a casa para atender nossos bebês, tapando tomadas e colocando cercadinhos, vamos alterar a rotina dos móveis para criar os nossos pais.

Uma das primeiras transformações acontece no banheiro.

Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra no box do chuveiro.

A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um cotovelo das águas.

Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um temporal para os pés idosos de nossos protetores. Não podemos abandoná-los em nenhum momento, inventaremos nossos braços nas paredes.

A casa de quem cuida dos pais tem braços dos filhos pelas paredes. Nossos braços estarão espalhados, sob a forma de corrimões.

Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objetos, envelhecer é subir escada mesmo sem degraus.

Seremos estranhos em nossa residência. Observaremos cada detalhe com pavor e desconhecimento, com dúvida e preocupação. Seremos arquitetos, decoradores, engenheiros frustrados. Como não previmos que os pais adoecem e precisariam da gente?

Nos arrependeremos dos sofás, das estátuas e do acesso caracol, nos arrependeremos de cada obstáculo e tapete.

E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia.

Meu amigo José Klein acompanhou o pai até seus derradeiros minutos.

No hospital, a enfermeira fazia a manobra da cama para a maca, buscando repor os lençóis, quando Zé gritou de sua cadeira:

— Deixa que eu ajudo.

Reuniu suas forças e pegou pela primeira vez seu pai no colo.

Colocou o rosto de seu pai contra seu peito.

Ajeitou em seus ombros o pai consumido pelo câncer: pequeno, enrugado, frágil, tremendo.

Ficou segurando um bom tempo, um tempo equivalente à sua infância, um tempo equivalente à sua adolescência, um bom tempo, um tempo interminável.

Embalou o pai de um lado para o outro.

Aninhou o pai.

Acalmou o pai.

E apenas dizia, sussurrado:

— Estou aqui, estou aqui, pai!

O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida é que seu filho está ali.

[DALBEN]

Muito bom o texto.

[Jeep]

Muito, especialmente pq nao fica dourando a pilula.

o problema é que esse texto atrai ninjas invisiveis cortadores de cebola

[Kerpa!100]

[pacu]

Grande texto

[Kenny]

Postado por Jeep

Muito, especialmente pq nao fica dourando a pilula.

o problema é que esse texto atrai ninjas invisiveis cortadores de cebola

Parabéns JEEP ...

Malditos ninjas, mal posso ver seus movimentos.

[DALBEN]

AHauh

[u0165]

=( malditos ninjas

[CtrlA]

Tem texto pra pais filhos da puta, desonestos e covardes?

[mojud]

Meu pai operou a próstata semana passada, sei exatamente qual o sentimento.

Antes da operação ele me ligava todo dia para falar que estava nervoso e eu acalmava ele. Durante a operação escrevi um texto:

20 metros

"A suavidade supera a rigidez, a fraqueza supera a força."
-Lao Tsu

Ele já não tem a mesma força de antes, não é mais aquele homem no ápice da idade que me levava no fundo do mar. No trajeto entre o quarto e o centro cirúrgico meu pai é todo fragilidade.

Aguardo no corredor a cirurgia, observando o fluxo incessante de pessoas, cada uma com as atribulações de suas histórias.

Desde que soube da cirurgia sempre que conversávamos meu pai confessava que estava com medo e eu sempre dizia que ele não precisava se preocupar, pois o medo é natural, afinal, ninguém quer ser obrigado a fazer uma cirurgia, ninguém.

No isolamento do corredor guardo minha ansiedade, assim como ele também estou só com meus receios. Poderia tentar fugir disso, dizer que é normal e que tudo dará certo, mas hoje não quero seguir por esse caminho, hoje aceito o que se manifesta e sinto intensamente o que quer que me atinja.

Reflito sobre aquele homem forte das minhas memórias, em contraponto ao desespero que presenciei nos seus olhos desde que sua doença se agravou.

O homem sedado no centro cirúrgico nesse momento não é comum. Há 20 anos atrás sofreu um acidente de carro e renasceu contra todas as expectativas. Múltiplas fraturas, cirurgias e internações não foram suficientes para derrubá-lo. No banco do passageiro ele parou um caminhão no peito e sobreviveu, enquanto o motorista não teve a mesma sorte.

No último mês, quando foi internado com insuficiência renal, ouvi da médica que o atendeu no pronto socorro: "Olhe, eu nunca vi uma pessoa com os níveis tão altos de creatinina como quando seu pai chegou, nas últimas doze horas só com a lavagem melhorou muito, seu pai é o super homem".

Concordo com a médica, mas não acho que ele é o super homem por ser invencível, para mim seu super poder é não ter a mínima consciência da sua força.

Por se julgar fraco ele aceita a implacável transição que é a vida sem reclamar e assim pode expor seus medos sem vergonha de derramar algumas lágrimas.

No último mês o vi passar por diversos procedimentos embaraçosos sem nunca reclamar da vida ou destratar algum médico ou enfermeiro. Mesmo com a sonda da urina exposta na cintura, ia nos mesmos lugares que sempre frequentou, sem preocupação alguma com as fofocas alheias. Percebo que mesmo a sensibilidade de seu corpo não é capaz de subjugar sua dignidade impenetrável.

Aqueles que se julgam fortes não desfrutam do mesmo poder. Para manter a fama eles abrem mão da naturalidade, precisam defender sua fortaleza a todo instante, precisam esconder dentro de si a vergonha da mudança, que a cada dia nos torna mais frágeis.

Naqueles 20 metros em que desfilou de avental pelo corredor meu pai não forçou sorrisos de despreocupação, nem manteve uma áurea leve de desprendimento. Naquelas 20 metros ele teve coragem suficiente de mostrar toda sua preocupação. Naqueles 20 metros ele me ensinou que não existem garantias, que tudo que começa, termina e que aceitar isso não significa se tornar imune e insensível, mas sim aceitar de peito aberto o desafio como ele se apresenta a cada momento.

Aguardando sozinho no corredor sinto o corpo ficando leve e a mente se dissociando do presente. Conheço bem essa sensação, é uma defesa natural do organismo para lidar com situações difíceis. No passado acreditava que esse mecanismo era a solução para lidar com os problemas da vida, mas hoje não quero isso, hoje quero aceitar toda minha fragilidade, hoje quero celebrar a vergonha de ser vulnerável.

Hoje quero sentir toda a força e toda a fraqueza que existem em mim, dar as mãos para o gigante e dizer com inocência: "Pai, quando eu crescer, quero ser igual a você".

[marconds]

meu pai tirou a próstata também
mas ainda tá se tratando

Jeep maldito
invocou ninjas

[Sussa]

os ninjas atacam na penúltima linha.

[spektro]

chorei
=/
ótimo texto

[Behemott]

Bom texto, e por mais incrivel ainda foi postado no dia do niver do meu velho.

[roadster]

a controversas.
meu pai mesmo jah velho e ele mesmo precisando de cuidados cuidou muito bem da minha vó (mae dele) durante o alzheimer, tirava a veia da cama todo dia, dava comida na boca e etc, ele nao deixava eu ajudar, falava q era obrigacao dele.
resultado, depois q minha vó morreu quem ficou doente foi ele, teve q operar a coluna pego infeccao e morreu. eu fiquei cuidando dele com muito prazer durante uns 2 meses enquanto ele tentava se recuperar da infeccao, resultado, depois q ele morreu quem ficou doente foi eu, tive hernia de disco de tanto ficar erguendo ele da cama puxando e etc, minha mae soh nao perdeu o emprego pq ela eh foda.
oq eu quero dizer é q quando a gente tem um doente na familia a familia inteira fica doente.
resultado, minha mae depois de ver tudo isso deu pra ela mesmo q ela vai pra uma clinica quando ficar nessas condicoes, nao to falando q eu vou eskecer a veia lá e soh ligar pra ela no dia da morte neh... mas cuidar de idoso em casa eh MUITO desgastante, se tiver condicao de ir pra uma clinica eu acho q a melhor opção... nao vou ficar cuidando e nem esperar q outros cuidem de mim empacando a vida soh pq eh bonitinho.

[Jeep]

Yep, realmente nao é facil e tem muito desgaste fisico e mental, meu limite auto-imposto é basicamente identidade, enquanto existir eu cuido pessoalmente com apoio logistico da mana, se um dia deixar de existir, ate pra nao pirar demais junto, vou procurar auxilio externo. Quando eu vi que eventualmente ia dar merda comecei a treinar com pesos compativeis, foi o que me "salvou" quando tive de fazer os "400 metros com carga humana" e mesmo assim fiquei com um braco arrebentado por 1 ano. Mas levando em conta o que eu tive, me considero devedor, portanto...

Roadster, caso sirva de consolo, provavelmente vc iria ter esse problema de hernia de qq forma, o esforco extra so adiantou o processo. Mas talvez se vc nao tivesse se envolvido nao estivesse "bem" com o desfecho.

[Eon]

Honrar pai e mãe... está aí algo que que sempre é recompensado na vida, e as vezes das formas mais surpreendentes. O texto é muito, muito bom mesmo!

[death2k]

Postado por CtrlA

Tem texto pra pais filhos da puta, desonestos e covardes?

[2]

[EviLBraiN]

Postado por CtrlA

Tem texto pra pais filhos da puta, desonestos e covardes?

Slay, é vc ?


Sobre o texto: Suor hétero escorrendo dos olhos...

[Jeep]

entao, pai/mae é uma coisa, as vezes vc arruma um no nascimento, outras vezes alguns anos depois, as vezes decadas, e ocasionalmente nunca. Eu acho que vc esta falando de fornecedores de gametas, ai realmente nao lembro de algum texto adequado...

[user114]

jipe, esse texto eh mto bom mesmo, eu vi no seu face e compartilhei no meu..
eh bem o q eu penso sobre nossos pais, desde que fiquei adulta tento cuidar o maximo dos meus "velhos"...